É politicamente incorreto, pois o organismo que responde pelas bacias hidrográficas - o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, instância decisória e legal - foi contrária ao projeto. Segundo nossa visão de mundo, o projeto peca por falta de embasamento, conteúdo e forma. Em resumo, o que é do interesse de todos, precisa do consenso da maioria.
Geograficamente, a área de influência do Projeto se restringe a apenas cerca de 5% do semi-árido nordestino, o que mostra que sua grandiosidade não tem uma correspondente em termos de abrangência. A população difusa do semi-árido não será beneficiada.
Socialmente, o Governo Federal não se preocupou em articular e integrar suas ações através de um Pacto político com os sete Governos Estaduais e com mais de 500 Governos Municipais envolvidos por problemas da região. O Projeto não foi discutido com praticamente ninguém. Ele veio de "de cima para baixo", em uma postura extremamente autoritária por parte do Ministro da Integração Nacional.
O aspecto ético: O Projeto alcançaria 12 milhões de pessoas - 268 cidades, entre elas Fortaleza, João Pessoa, Campina Grande e Caruaru, cidades que têm outras formas de melhorar o abastecimento público - e irrigaria 300 mil hectares de terras até o ano de 2020. Entretanto, 70% do consumo médio de água do Projeto vai ser direcionado para os pólos tradicionais de irrigação da região. O Projeto tenta ignorar a estrutura econômica, social e política que é a principal causadora do atraso e da miséria no nordeste brasileiro.
Economicamente: Uma análise de custo-benefício mostra que os 4,5 bilhões de reais (dado oficial. Na realidade poderá chegar a 20 bilhões de reais.) seriam aplicados em uma solução de engenharia hidráulica que desconsidera uma infra-estrutura hídrica contra a seca, já existente no semi-árido, bem como um razoável avanço ocorrido no sistema de coleta de água das chuvas.
Juridicamente: Intervenção sobre terras indígenas exige aprovação do Senado Federal. E há liminares na justiça cancelando a Licença Prévia obtida. Há cinco Estados doadores de água e quatro Estados receptores. Até hoje, não se estabeleceu quem pagará a quem, quanto e como. As referências legais ainda não foram devidamente esclarecidas (leis, normas e resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos).
Ecologicamente, a agronegócio, monoculturas e mineração estão dizimando milhares de nascentes e secando rios. As ações de revitalização na Bacia do Rio São Francisco vêm sendo manipuladas e proteladas pelos Governos Federal e Estaduais que continuam surdos aos argumentos de que "não se deve fazer a transfusão de sangue em um paciente que está anêmico". O problema do semi-árido se resolve com um Projeto de convivência com o Semi-árido, o que passa pela construção de 1 milhão de cisternas.
Um tema nunca mencionado é o do custo da energia elétrica necessária para bombear a água para altitudes que chegam a 300 metros e para distância de 750 Km. A operação do sistema será privatizada, envolvendo técnicas e custos que serão repassados para as tarifas.
Tecnicamente, não existe nenhum problema na execução da Transposição, estando a engenharia brasileira perfeitamente apta a construir estações de bombeamento, túneis, aquedutos e reservatórios. Entretanto, o que se questiona é a razão pela qual alternativas tecnológicas não foram, efetivamente, contempladas e seus respectivos custos não foram nomeados.
Um aspecto técnico importante, porém nunca mencionado, é o das grandes perdas da água por evaporação (três vezes maior que no centro-sul), em canais abertos de longas distâncias nas elevadas temperaturas durante o ano todo, no semi-árido.
Conclui-se que a obra não combaterá a injustiça social, a água não chegará à área mais carente do semi-árido e não beneficiará as famílias sertanejas que ali vivem. A obra é muito interessante para as firmas empreiteiras, projetistas e, principalmente, para os grandes irrigadores da região, produtores de hortifruticultura e camarão para exportação (hidronegócio).
O caso do Estado do Rio Grande do Norte merece destaque. Especialistas da UFRN comprovaram que o Projeto trará água para poucas regiões do Estado, que já a possuem com relativa abundância e que a irrigação consumirá 92% da água do Projeto, deixando de lado a questão do abastecimento difuso que está diretamente associado à calamidade provocada pelas secas e pelas cercas dos latifúndios.
Nossa conclusão é que a Transposição do Rio São Francisco - no atual contexto - não passa de mais uma obra faraônica e insana, planejada com recursos públicos e cujos benefícios serão dirigidos a um pequeno grupo de privilegiados, principalmente os grandes irrigadores da região, empresários do hidronegócio.
A Ordem dos Advogados do Brasil, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a grande maioria dos cientistas brasileiros (de incontestável competência técnica) bem como a grande maioria das Igrejas cristãs e da própria CNBB, ao fazerem uma análise global dos vários aspectos do mega-projeto, se posicionaram contra o mesmo.
Extrato do livro SÃO FRANCISCO, um presente, de Frei Cláudio van Balen, Sérgio Bittencourt e Cláudio Guerra. Livro lançado dia 11/04, na Igreja do Carmo, em Belo Horizonte/MG. O livro pode ser adquirido pelo e-mail: pastoral@igrejadocarmo.com.br
Disponível em: http://www.adital.org.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=2199